O documentário “Dia dos Pais” é um road-movie. Uma viagem por quatro pequenas cidades da antiga e rica região do café, hoje abandonada. A importância histórica e econômica do passado transparece indiretamente pela memória da linha do trem e de suas antigas fazendas em contraste com o presente e o cotidiano pobre enfocados no filme. Em um estilo de cinema direto acompanha-se o dia-a-dia dos personagens e das cidades que compõem o documentário.
Seguindo viagem chega-se a Bananal, cidade de origem da família da diretora Julia Murat. Nesse momento Julia se torna personagem e vai contar a história de seu avô falido após uma trapaça de um amigo contador. A busca por conhecer as cidades do Vale do Paraíba passa a se misturar com uma busca pela identidade de sua família.
Este filme é a estreia de Julia Murat e Leonardo Bittencourt. Julia dirigiu “A velha, o canto, as fotos”, 2001 e “Ausência”, 2003, além de vídeos experimentais, institucionais e a vídeo-instalação “Desvelar”. Ela possui uma experiência diversificada como assistente de direção, assistente de câmera e montadora em 8 longa-metragens, publicidades, documentais e curtas. Leonardo Bittencourt é artista plástico e fotógrafo. Há seis anos trabalha profissionalmente como câmara. Realizou as exposições “Retrato falado” e “Horizonte”, além de dirigir e fotografar o curta “…”, que obteve menção honrosa na Mostra do Filme Livre 2007.
As cidades
Sebastião de Lacerda foi um importante entreposto comercial na época do café. A única cidade no Estado do Rio a possuir duas estações de trem – uma para a linha estreita e a outra para a bitola larga - hoje não passa de uma rua. Não é nem mais considerada pela Light, companhia de luz do estado, uma cidade; apenas a “estrada de Aliança, uma estrada onde só passa boi”, como nos informa uma das personagens do documentário. Lacerda, hoje, é completamente dependente do comércio e dos meios de transporte de Comércio, cidade vizinha unida a ela por uma estreita ponte que divide o Município de Vassouras do pequeno e próspero Município de Rio das Flores.
Palmeiras da Serra é na realidade uma pequena vila perto de Engenheiro Paulo de Frontin. Um local que já teve hotel, grandes fazendas, igrejas e que hoje, após um descarrilamento do trem e a conseqüente destruição de diversas casas, é apenas um conjunto de casas de um único lado do trilho do trem. A antiga estação uma casa habitada por um invasor, como os antigos moradores chamam os recém-chegados.
Aliança é hoje quase inativa. Somente um único bar alimenta a cidade. Nenhuma cidade próxima. Todas as terras, antigas fazendas, hoje são de uma mesma família. Seus poucos habitantes trabalham fora da cidade. As crianças estudam em Vassouras. O ônibus escolar, único transporte público da cidade, só funciona em dia de semana. Nos fins de semana e feriados é preciso caminhar uma hora e meia de estrada de terra para a rodovia mais próxima.
Barão de Juparanã conhecida por ter sido a cidade onde morreu Duque de Caxias, abrigou a fazenda Santa Mônica, responsável pelo desvio da linha do trem que foi transferida para a outra margem do Rio Paraíba do Sul só para que o trilho pudesse chegar na fazenda. Juparanã, como é conhecida, uma cidade de pequeno porte com um comércio incipiente, é a maior cidade retratada no filme. O “maior” desenvolvimento econômico traz como conseqüência mais opções de emprego e de lazer. A cidade tem crescido, abrigando na ultima década antigos moradores da periferia carioca. O relativo crescimento trouxe consigo um estilo de vida mais individualizado. As pessoas ainda se conhecem, mas espaços públicos, como praças, bancos, são menos utilizados se compararmos com as outras cidades enfocadas no filme.
Bananal, a quinta cidade do documentário, tem uma história e uma localização um pouco diferente das demais. Pertencente à parte paulista do Vale do Paraíba, Bananal é uma cidade de porte médio, que também tivera um apogeu econômico e hoje vive em certa estagnação. Histórias parecidas, razões um pouco diferentes. Se nas três cidades anteriores o empobrecimento se deu primeiro pela decadência do café e depois pelo fim dos trens de passageiros, em Bananal a derrocada esteve ligada diretamente à criação e desenvolvimento da rodovia Via Dutra, que liga Rio e São Paulo. Antigamente Bananal era passagem obrigatória na antiga estrada de terra que ligava as duas capitais.
O salto até Bananal é justificado pelo laço afetivo da diretora. Portanto, esta cidade não é enfocada como as outras, não há a tentativa de construir e observar o seu cotidiano. As suas ruas, habitantes e objetos constituem o pano de fundo onde as lembranças de Julia passeiam e procuram o seu lugar. A cidade é retratada em função de tais memórias, se contrapondo, conferindo novos significados, produzindo lacunas. Bananal aparece a partir da tentativa de Julia reencontrar o seu lugar na família Adário, de ligar o seu presente à história familiar distante.
Apesar de passar por cinco cidades bem distintas, a viagem, o mote central do documentário, trata de um mesmo assunto: a busca por identidade. Palmeiras da Serra, Juparanã, Lacerda e Aliança somam-se a introspecção autobiográfica de Bananal por que elas dialogam na tentativa de traçar esse não pertencimento, esse ambiente nebuloso comum tanto ao presente do Vale do Paraíba quanto ao de Julia, com relação a um passado histórico que parece estranho à situação vivida pelo Vale hoje.
Créditos
Direção: Julia Murat e Leo Bittencourt
Roteiro: Julia Murat e Leonardo Bittencourt
Produção: Taiga Filmes
Produção-executiva: Marilia Nogueira
Co-produção: Bernardo Varela e Meios e Mídia
Fotografia: Leo Bittencourt
Edição: Julia Murat
Edição de som: Maria Muricy
Mixagem: Claudio Valdetaro
Tratamento de imagem e finalização: Daniel Canela